Meus trabalhos e experiências no curso de História da Arte na UFRGS

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Questão sobre O Homem de Areia de Hoffman


Um medo profundamente romântico é o medo dos poderes misteriosos do cientista/alquimista, explorado, por exemplo, em Frankenstein, de Mary Shelley. Pensando agora em O homem da areia, de que modo esse medo se configura na relação entre Natanael e Coppelius/Coppola?

Coppelius além de advogado, era alquimista. Ele ia várias noites na casa do pai de Natanael para juntos praticarem experimentos alquimicos secretos. Por isso, o pai de Natanael sempre mandava seus filhos deitarem cedo, dizendo que naquela noite o homem de areia iria chegar. Natanael, após ouvir da empregada que o tal homem de areia era um monstro que arrancava os olhos das crianças, um dia decide se esconder no gabinete de seu pai para descobrir a verdade. Nessa noite ele vê os tais experimentos secretos de alquimia. Quando Coppelius descobre que foi visto diz que vai arrancar os olhos dele, fato que faz Natanel desmaiar e ter o maior susto de sua vida, mesmo que no fim seus olhos não tivessem sido arrancados realmente arrancados. Entretanto, as visitas de Coppelius não cessaram depois desse fato, e na última visita, um acidente envolvendo uma explosão durante os experimentos causam a morte do pai da Natanael.

Esse trauma, mesmo que na visão de sua mulher, Clara, fosse apenas um medo irracional, nunca desapareceu de sua mente. Natanael volta a sentir esse terror ao ver no vendedor de barometros Coppola o mesmo rosto de Coppelius. Mesmo tentando se convencer que seu medo era irracional, o desenrolar da história o leva a completa loucura.
Ou seja, o medo profundamente romântico dos poderes misteriosos da alquimia é retratado na pessoa que o protagonista mais teme, mostrando essa relação de medo que a alquimia causava.

Questão sobre a abertura do palácio de cristal, de Ruskin

No próprio título de seu ensaio Ruskin deixa claro que pretende especular sobre o futuro da arte em geral a partir do Palácio de Cristal londrino. Segundo Ruskin, quais são as potenciais consequências dessa transformação arquitetônica representada pelo Palácio de Cristal? 

Embora o palácio de Cristal londrino seja ovacionado pelo público e pela crítica de seu tempo, para Ruskin, ele não merece esse reconhecimento se pensarmos em arte no seu sentido mais estrito. Ruskin considera o Palácio de Cristal apenas uma grande obra do ponto de vista da engenhosidade mecânica. E a engenhosidade mecância não é a essência nem da pintura, nem da arquitetura. Nas suas próprias palavras: 
"Que não se pense que eu queira depreciar (onde seja possível depreciar) a engenhosidade mecânica que foi demonstrada na ereção do Palácio de Cristal, ou que eu subestime o efeito que sua imensidão vastidão pode continuar a produzir na imaginação popular. Mas a engenhosidade mecânica não é a essência nem da pintura, nem da arquitetura, e a grandeza da dimensão não necessariamente envolve nobreza de design. Seguramente se requer tanta engenhosidade para construir tanto uma fragata, ou uma ponte tubular, quanto uma sala de vidro; todas essas são obras características da época; e todas, em suas diversas maneiras, merecem nossa mais alta admiração, mas não a admiração do tipo que é dedicada à poesia ou à arte".

Entretanto, o mais grave para Ruskin é o fato de obras novas, grandes e imponentes como o Palácio de Cristal incentivarem as pessoas esquecerem das antigas. Segundo ele, muitas obras do passado estão apodrecendo ou mesmo sendo sumariamente destruídas em prol dessa nova arquitetura. As que não são demolidas ou esquecidas, quando restauradas, são restauradas erroneamente, com diversas partes substituídas por cópias em vez de preservar o original tanto quanto possível. Nas palavras de Ruskin:
"… naquele mesmo ano, eu disse, as maiores pinturas dos mestres venezianos estavam apodrecendo em Veneza na chuva, por falta de teto que as protegesse, com buracos feitos por tiro de canhão através de suas telas. Há outro fato, no entanto, mais curioso do que qualquer um desses, que será a partir deste momento ligado à história do palácio que está sendo construído agora; a saber, o de que no mesmo período em que a Europa se congratula pela invenção de um novo estilo de arquitetura, porque quatorze acres de terra foram cobertos com vidro, os maiores exemplos existentes da verdadeira e nobre arquitetura cristã estão sendo resolutamente destruídos; e destruídos por efeito do mesmo interesse que começou a ser despertado por eles".

terça-feira, 15 de outubro de 2013

Questão sobre o projeto de declaração dos direitos do homem e do cidadão de Robespierre

A Declaração dos Direitos do Homem teve, sem dúvida, tremendo impacto no imaginário revolucionário. No entanto, não tardariam as críticas à forte defesa da propriedade privada que ela endossa. Robespierre se alinha entre os críticos, como podemos ver no texto lido. Quais são seus argumentos? Que modificações ele propõe na Declaração com relação especificamente a esse tema?

De acordo com Robespierre, "a extrema desproporção das fortunas é a origem de muitos males e muitos crimes". E é ai que reside o principal problema da declaração dos direitos do Homem, pois ela não trata da questão da propriedade privada e distribuição de renda. A propriedade privada, para Robespierre, não gera principio algum de moral, excluindo todas as noções de justo e injusto.
A declaração dos direitos do Homem do modo como foi lançada, ignorando essa questão, permitia que uma pessoa fosse extremamente rica as custas da pobreza de muitas outras. Por isso, ele diz "vossa declaração parece feita não para os homens, mas para os ricos, para os açambadores, os agiotas e os tiranos".

A proposta de alteração foi consagrar que o direito de propriedade é limitado, como todos os outros, pela obrigação de respeitar os direitos do próximo, sem prejudicar a segurança, a liberdade, a existência nem a propriedade dos semelhantes.
Além disso, impostos devem ser cobrados progressivamente, de acordo com a riqueza de modo que não ocorram injustiças sociais.

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Questão sobre Moll Flanders de Daniel Defoe


A certa altura de Moll Flanders a narradora e protagonista apresenta sua aparentemente sossegada vida de casada na América. No entanto, algo ocorre que muda sua tranquila situação. O que houve? Como Moll Flanders reage a esse giro abrupto da "roda da fortuna"? Justifique sua resposta com o comentário de algumas passagens do texto.

Moll Flanders estava em uma situação em que necessitava de dinheiro. Entretanto, sua única opção naquela altura era se casar com alguém que tivesse posses. Entretanto, Moll Flanders não era interessante para os homens da época pois
"Em resumo", diziam eles, "a viúva não tem dinheiro".

Por isso, a protagonista resolveu se mudar para um lugar em que não fosse conhecida:

"Por isso eu resolvi, no estado em que me achava, mudar de condição e ir para um outro lugar onde não era conhecida, e arrumar um outro nome, se tivesse oportunidade".

Moll Flanders com ajuda de uma amiga, se passou por sua prima e conseguiu alcançar seu intento de se casar com um homem que não era muito rico, mas que tinha algum dinheiro e realmente gostava dela. Moll teve 2 filhos com seu marido e quando estava grávida do terceiro, ocorreu o grande giro da sua "roda da fortuna" Ao conhecer sua sogra e ouvir sua história, Moll Flanders se deu conta que ela na verdade era sua mãe, e o homem com o qual estava casada era seu irmão:


"Alguém poderá avaliar a angústia de meu espírito quando cheguei a concluir que esta mulher era, nem mais nem menos, minha própria mãe. E eu tinha agora dois filhos e esperava um terceiro de meu próprio irmão, com quem dormia toda noite!"

Esse grande infortúnio fez Moll ir da alegria de uma casamento bem sucedido a mais infeliz das mulheres:

"Sentia-me a mais infeliz de todas as mulheres do mundo. Oh! Se esta história não tivesse sido jamais contada! Tudo teria sido tão bom! Não teria sabido do crime de deitar-me com meu marido, pois não saberia que era meu irmão".

Por causa disso, Moll mudou sua conduta com seu marido:

"Tivemos muitas brigas em família por causa disso, o que, com o tempo, começaram a ficar perigosas. Como perdera toda a afeição por meu marido (como o chamava), não media as minhas palavras e usava, por vezes, uma linguagem provocatória. Em suma, eu fazia todos os esforços para levá-lo a separar-se de mim, o que era a coisa que mais queria".

No fim, Moll acabou contando do fato para seu irmão, desse modo, ela partiu para Inglaterra para que seu irmão pudesse dizer aos outros que ela tinha morrido e assim ele poderia se casar de novo.

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Questão sobre O livro da vida, de Santa Teresa D'avila

Santa Teresa compôs um livro que até hoje é usada por muitos como guia espiritual. Nele ela escolhe as palavras para tentar descrever toda a força de sua experiência religiosa. No trecho lido, como se poderia definir e caracterizar essa experiência? 

Embora dedicasse sua vida a igreja, Santa Teresa dizia que sua alma estava cansada e considerava que tinha maus habitos em relacao a sua religiosidade. Entretanto, ao poucos, foi entendendo melhor como vivenciar melhor sua vida religiosa. Santa Teresa menciona que leu "As confissoes de Santo Agostinho" e se identificou muito com o autor pois tambem se via como uma pecadora.


Nesse caminho de entendimento, ela conta as experiencias espirituais intensas pela qual passou que a transformaram. Por exemplo, logo no comeco do livro, Santa Teresa conta da vez que viu uma imagem de Cristo tomado de Chagas. Essa imagem ficou marcada em sua mente e deixou mais claro para ela o que Cristo passou por nos. Ela descreve essa experiencia com frases bastante fortes: "(..) me pertubei toda de ve-lo assim, porque representava bem o que passou por nos. Foi tanto o que senti do mal que havia agradeciado aquelas chagas, que meu coracao parecia que ia quebrarJoguei me junto a ele com enorme derramar de lagrimas, suplicando-lhe que me fortalecesse de uma vez para nao mais o ofender".

Ou seja, sua experiencia relatada no livro pode ser definida como transformadora (assim como a de Santo Agostinho), pois a levou a entender melhor o seu lado religioso, a ver mais clarmente o que Cristo passou, de modo que fosse um pouco menos dificil se livrar das tentacoes diarias e viver uma vida que ela considerasse menos pecaminosa.

terça-feira, 17 de setembro de 2013

Questão sobre O ensaiador de Galileu Galilei

Suponhamos que, em uma noite de céu estrelado e sem nuvens, Galileu Galilei quisesse reunir alguns amigos em sua casa para observar, com seus magníficos telescópios, os astros. Depois de ler O Ensaiador, sabemos que ele dificilmente convidaria, para um evento assim, Lotário Sarsi. Por quê? Comente as críticas de Galileu a Sarsi, apresentando alguns exemplos.

Em o ensaiador, Galileu inicia o texto falando como se decepcionou ao ver que suas descobertas cientificas, em vez de "ser do agrado de todos os verdadeiros apaixonados da verdadeira filosofia", acabou "(...) encontrando em muitas pessoas uma certa animosidade em diminuir, defraudar e desprezar".

Ao longo do texto, muitos desses detratores sao mencionados, e entre eles, Lotario Sarsi. Essa inimizade surgiu quando Lotario Sarsi atribui a Galileu uma obra que na verdade era de um amigo: "Permanecer calado nao me ofereceu vantagem alguma, pois meus inimigos, tao desejosos de me atrapalhar, chegaram a atribuir-me as obras dos outros escritores;e, tendo-me atacado a base destes textos, chegaram a fazer coisas que, a meu parecer, pertencem claramente a animos fanaticos e sem raciocinio. E porque nao pode o sr Mario Guiducci, por causa de seu oficio, discutir em sua Academia e depois publicar seu Discurso sobre os cometas, sem que Lotario Sarsi, pessoa completamente desconhecida, tivesse se voltado contra mim, e sem respeito algum por este gentil-homem, me considerar autor daquele discurso".


Alem disso, Galileu chama Sarsi de covarde pois ele nao tem coragem de fazer suas criticas cara a cara:
"Como é de costume em muitas cidades italianas , de poder falar livremente de qualquer coisa com qualquer um, achando extremamente divertido que alguem, seja quem for, possa com eles discutir sem respeito e ironiza-los. E a este segundo grupo deve pertencer, acredito eu, aquele que se esconde sob a mascara de Lotario Sarsi (pois, se pertencesse ao primeiro grupo, pouco lhe agradaria ter querido jogar tao forte), e acredito tambem que, assim como as escondidas ele resolveu falar contra mim poque cara a cara ele provavelmente teria se recusado.

Galileu tambem critica a falta de metodo cientifico na obra de Sarsi. Para Galileu, Sarsi tenta ludibriar os leitores afim de provar suas teorias: (...) é aqui que eu percebo como Sarsi comeca, o mais cedo possivel, a transformar com enorme liberalidade as coisas (estilo que ele manteve em todo o seu trabalho) para acomoda-las a sua finalidade. (...) afirma sem base alguma que o cometa nasceu (...).

terça-feira, 10 de setembro de 2013

Questão sobre os Contos Aretinos de Pietro Aretino

Sobre os sonetos contidos neste livro literalmente "maldito", escreve José Paulo Paes, tradutor da edição brasileira que acabamos de ler, o seguinte: "Neste sentido, quer pela crueza da linguagem, quer pela carnalidade de sua temática, os sonetos aretinianos podem ser considerados o avesso da poesia culta de sua época, a qual [...] recebera de Dante e de Petrarca o gosto pela divinização da mulher [...]" (PAES, José Paulo. Uma retórica do orgasmo. In: ARETINO, Pietro. Sonetos Luxuriosos. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. p. 32-33). Desenvolva, através de comentários próprios e de exemplos tirados dos sonetos de Aretino, essa hipótese apresentada por Paes. 

Embora a estrutura do texto e suas rimas se assemelhem a um texto culto, os termos baixos e a própria temática o tornam o avesso do que se espera de da literatura culta.

Ao contrário de seus compatriotas Petrarca e Dante, que divinizam a mulher, Aretino carnaliza a mulher, fala de seu lado sexual, com seu vocabulário cru, forte e direto.

Pietro Aretino

Desnecessário mencionar exemplos de trechos assim pois os termos de baixo calão permeiam todo o texto. Mas menciono dois trecho em que o autor ao seu modo carnalizante, elogia o feminino (claro que nao do modo divinizante de Petrarca e Dante).

Abre as coxas a fim de eu poder bem
Ver-te da cona e cu o belo viso.
Cu de fazer completo o paraíso!
Cone que poe-me o sangue num vaivém!

Outro trecho:

Fodamos, meu amor, fodamos presto.
Pois foi para foder que se nasceu,
E se amas o caralho, a cona amo eu;
Sem isto, fora o mundo bem molesto.

domingo, 18 de agosto de 2013

Questão sobre Tirant le Blanc de Joanot Martorell

Logo na Apresentação da edição brasileira de Tirant lo Blanc, o tradutor e editor Claudio Giordano cita um comentador da obra, Martí de Riquer, para quem o cavaleiro andante Tirant sempre realiza "façanhas verossímeis" e "nunca ultrapassa o humano e o factível". Considerando os trechos lidos da obra, gostaria de saber se você concorda com essa interpretação - justifique sua resposta a partir da análise de alguns exemplos extraídos do texto. 

Concordo com Martí de Riquer. Tirant é descrito como uma pessoa com muitas qualidades, todas aquelas que são esperadas de um cavaleiro, mas nenhuma sobrehumana. O texto mostra isso quando Tirant pergunta a um eremita o que é exclusivo de um cavaleiro. Poderíamos esperar alguma qualidade que fosse além das capacidades humanas, mas o eremita diz que um cavaleiro nada mais é do que um ser humano leal e justo e enfatiza que não é superior aos demais:

— Por minha fé! — exclamou Tirant —. Desejo muito saber o que é exclusivo do verdadeiro cavaleiro. — Meu filho — retrucou o eremita —, quero que saibas que, neste retiro em que me encontro, rememoro diariamente os feitos excelentes e dignos de gloriosa memória, que fazem a história dessa bem-aventurada ordem da cavalaria. O cavaleiro foi criado desde o início para manter a lealdade e a justiça em todas as coisas, e não penses que os cavaleiros provenham de linhagem superior à dos outros: pois todos nos originamos naturalmente de um pai e de uma mãe.


Além disso, na luta entre Tirant lo Blanc e o senhor de Vilasermas, vemos que não há super habilidades, apenas destreza, esforço e principalmente, valentia (e também um pouco de sorte, uma vez que por pouco que Tirant não morreu): "por serem cavaleiros valentíssimos e de grande coragem, permaneciam em combate, implacáveis. Por fim, sentindo-se à beira da morte pelo muito sangue que havia perdido, achegou-se Tirant o mais que pôde do outro e atacou-o de frente, golpeando-o no mamilo esquerdo, direto no coração. Revidou-lhe o outro com forte facada sobre a cabeça, fazendo-o perder a visão dos olhos e cair por terra antes dele. Tivesse o francês podido suster-se quando Tirant caiu, bem que teria conseguido matá-lo, se assim o quisesse. Não teve, porém, força suficiente e tombou imediatamente morto no solo".

sábado, 20 de julho de 2013

Questão sobre o Philobiblon, de Richard de Bury

O reverendo Richard de Bury publicou, em 1344, o Philobiblon, uma verdadeira declaração de amor aos livros e à cultura letrada. O capítulo que lemos, o IX, intitula-se "De como os antigos estudantes eram superiores aos atuais em fervor discente". Por que, afinal, na opinião de Bury, eram esses antigos estudantes superiores em "fervor discente"? 


Segundo Richard de Bury, os antigos estudantes gozavam de um espírito mais sutil e delicado, além disso, seus estudos eram mais profundos. Para ele, os sucessores 'só servem para discutir seus trabalhos e para escrever resumos de tudo o que eles conquistaram em suas ressonantes descobertas'.

Além disso, achava os estudantes do passado muito mais dedicados e regrados, conforme consta nesse trecho: 'No tocante ao ardor por aprender e ao afã pelo estudo, aqueles antepassados consagravam sua vida inteira, enquanto que nossos contemporâneos, passam os fecundos anos de sua juventude dominados pelo vício, e no momento em que, extintas suas paixões, querem alcançar o cume da ambígua verdade que perseguem, se entregam, perturbados, a misteres completamente estranhos a filosofia. Diante das dificuldades que encontram, preferem as fumegantes obrigações da juventude e, mais tarde, se dedicam aos cuidados econômicos do vinho que avinagrou rápido demais".

Questão sobre o conto Romeu e Julieta, de Matteo Bandello

Em nossos tempos é bastante difícil não conhecermos, ao menos em linhas gerais, a história de Romeu e Julieta, transformada em filmes, adaptada ao mundo infantil, e mesmo encenada em sua versão mais célebre, aquela de Shakespeare. Sendo assim, compare brevemente a versão que você já conhecia com aquela que encontrou no conto de Matteo Bandello, publicado no séc. XVI. 


A principal diferença, de fato, é o final. No final de William Shakespeare, Julieta toma um veneno falso para desmaiar e ser dada como morta, e assim, evitar um casamento forçado pela sua família. Tinha avisado Romeu através de uma carta, que infelizmente, não chegou ao destinatário. Romeu ao ver sua amada que julgava estar morta, toma um veneno, dessa vez, um veneno verdadeiro, efetivo. Quando Romeu desmaia, Julieta finalmente acorda. Ela tenta através de um beijo remover o veneno de Romeu, mas é tarde demais. Ela então pega a adaga de seu amado e usa para suicidar-se. Na história de Matteo, Julieta não se mata com essa adaga, mas morre de dor, de sofrimento ao ver o corpo de Romeu. Na sua lápide consta "… de pura dor morreu".

sábado, 22 de junho de 2013

Questão sobre Imagens da África de Costa e Silva

Em Imagens da África, antologia organizada por Alberto da Costa e Silva, há vários comentários de viajantes helênicos, muçulmanos e portugueses sobre os africanos, Entre os comentários lidos, indique, com justificativa, um autor que lhe pareça mais interessado em descrever costumes e modo de vida de povos africanos e outro que pareça mais interessado no mapeamento de riquezas passíveis de comercialização.

Deodoro da Sicilia é mais voltado a falar como são os costumes dos africanos, nunca mencionando as riquezas que podem ser encontradas no local. No caso, fala sobre uma tribo governada por um rei chamado Napata, que tem o exótico costume de se auto-inflingir o mesmo dano que o rei sofrer. Por exemplo, se o rei machucar o dedo, eles devem auto-machucar o dedo: "Diz-se que entre os etíopes persiste um estranho costume. Quando o rei de Napata por alguma razão, sofre um dano em alguma parte do corpo, todos os cortesãos devem, por sua própria escolha, infligir-se o mesmo dano, porque consideram que seria desonroso que, tendo o rei ficado coxo de uma perna, seus súditos mais próximos continuassem perfeitos e andassem pelo palácio, a acompanhar o soberano, sem mancar; e seria estranho que uma sólida amizade, que partilha dor e pena, assim como todas as outrâs coisas boas e más, não participasse dos sofrimentos do corpo. Diz-se ser de norma que os cortesãos se suicidem para acompanhar um rei que morre, e que esse suicídio é honroso e prova de verdadeira amizade".

Já na descrição de Chao Ju-Kua, inspetor de comércio da China e possivelmente descendente do imperador Tai-tsung, é voltada mais para mapear as riquezas. No seu curto trecho, ele descreve quais são os produtos que é possível obter na África Índica, como presas de elefante e chifres de rinoceronte. Também descreve que muitos negros são escravizados pelos árabes para serem vendidos por altos preços: "Os produtos do país são presas de elefante e chifres de rinoceronte. A oeste, há uma ilha no mar no qual vivem muitos selvagens, de corpos negros como laca e de cabelos crespos. Atraídos por comida, São capturados e levados como escravos para os países árabes onde atingem altos preços". Perceba que ele não explica como acontece a escravização, nem detalha, apenas se interessa em dizer que "atingem altos preços".

Questão sobre Abelardo e Heloísa

Uma das cartas que compõe o volume da correspondência que teria sido trocada por Abelardo e Heloísa é aquela que o filósofo dirige a um amigo. Nela Abelardo apresenta a sua versão para o romance que viveu com sua aluna, Heloísa. Ao contar a história, apresenta simultaneamente uma determinada imagem sobre si mesmo. Em sua opinião, que imagem seria essa?

Abelardo se vê como uma pessoa extremamente interessada pelas artes e conhecimento, um auto-didata, conforme menciona no seguinte trecho: "meu gênio próprio me conferiu o gosto pelos estudos literários". Em outro trecho diz: "Desde logo exerceram [os estudos] um tal encanto sobre mim que, deixando a meus irmãos o brilho das glórias militares" e "abandonei completamente a corte de Marte e me recolhi ao seio de Minerva".

Abelardo também se considerava de modo geral intelectualmente mais inteligente que os demais, e por causa disso, se via como alvo de grande inveja: "Minha fama crescia dia a dia: a inveja levantava-se contra mim". Sofreu ainda mais desse inveja quando tentou fundar sua escola, mas mesmo com as dificuldades, conseguiu funda-la em Corbeil, cidade próxima de Paris, fazendo uso de seu orgulho e sua auto-segurança: "Cheio de orgulho, seguro de mim, logo transferi minha escola para Corbeil, cidade bem próxima de Paris, para ali prosseguir mais vivamente nesse torneio intelectual".

Essa auto-segurança não era só por causa de sua inteligência, também se considerava um homem bonito e atraente que não precisa temer a recusa das mulheres: "Não duvidava do êxito: eu brilhava pela reputação, juventude e beleza, e não havia mulher junto a quem meu amor tivesse a temer recusa".


Ao conhecer Heloísa, viu outros lados de si mesmo. Por ela, se sentiu completamente apaixonado: "Todo inflamado de amor por essa jovem" e "Sob o pretexto de estudar, entregávamo-nos inteiramente ao amor". Essa paixão abarratadora mostrou o seu lado menos disciplinado: "Fazia minhas lições com negligência e torpor; não falava mais inspiradamente, mas produzia tudo de memória. Eu me repetia. Se conseguia escrever qualquer peça em versos, me era ditada pelo amor, não pela filosofia".

Se via como uma pessoa muito luxuriosa e orgulhosa, mas os acontecimentos e infortúnios que se sucederam em sua vida após o relacionamento com Heloisa, tiraram isso dele. A castração que foi vítima devido ao falso casamento que teve com Heloísa lhe tirou a luxúria, e o orgulho perdeu devido a destruição pública que foi vítima por não fé na bíblia sagrada: "Mas o orgulho e o espírito da luxúria me haviam invadido. Apesar de mim mesmo, a graça divina soube me curar de um e de outro: primeiro da luxúria, depois do orgulho. Da luxúria, tirando- me os meios de me entregar a ela Do orgulho que a ciência (segundo a palavra do apóstolo: "a ciência ensoberbece o coração") havia feito nascer em mim, humilhando-me pela destruição pública do livro do qual tirava a maior jactância.

sexta-feira, 21 de junho de 2013

Relatório sobre a visita a Galeria Mamute e ao Bolsa de Arte

Estudio-galeria Mamute 

Tipo de Instituição: Estudio-galeria

Data da visita: 18 de Maio de 2013

Estrutura física: Localizado em Porto Alegre, na rua Caldas Junior 375, no Centro Histórico, em um prédio tombado pelo patrimônio histórico que mescla elementos neoclássicos, barrocos e de Art Nouveau. Justamente por isso, intervenções drásticas na estrutura do local, como por exemplo para ampliações, não são possíveis. Antigamente, o local onde agora se encontra a galeria era uma residência de luxo, com quartos e salas grandes, que viraram salas para as exposições. Até 2011, a galeria ficava localizada em espaço pequeno na Duque, entretanto, esse espaço não era suficiente e por isso a mudança. O estabelecimento funciona de Segunda a Sexta, das 14 as 18 horas.

Tipo de atividades desenvolvidas e papel no sistema artístico local: Além de ser um espaço para os artistas poderem mostrar suas obras, especialmente as que tangenciam o cruzamento entre arte e tecnologia, também oferece oficinas, grupos de estudo, palestras, cursos e residência artística. O local também comercializa algumas obras, de acordo com o interesse dos artista. Muitos deles retribuem a galeria deixando parte de sua obra para o crescimento do acervo. Atualmente a maior parte do acervo é composta de mídias. O local recebe alguns patrocínios, sendo os mais importantes os proveninentes do Santander Cultural e da GBOEX. No momento de nossa visita, várias obras de video arte estavam em exposição, sendo a mais interessante uma obra de Gabriel Mascaro com Paulo Bruscky denominada "As aventuras de Paulo Bruscky". No video, um avatar de Paulo Bruscky entra no universo virtual da rede social Second Life e no processo de conhecer esse novo mundo, reflete sobre sua vida.

Estrutura pessoal: São 4 pessoas efetivas (Niura, seus filhos e Leocádia Costa) mais a assessoria financeira e colaboradores. 

Profissional que recebeu a turma: Niura Mariza Oliveira da Silva Borges

Biografia resumida: Produtora cultural, videoartista e documentarista com mestrado em artes visuais pela UFRGS e especialista em psicopedagogia. Tem interesse em especial pelo cruzamento entre as artes visuais, tecnologia e o cinema. Por isso, e especialmente, pela demanda que sentiu por um espaço que privilegiasse não só as artes visuais mais tradicionais mas também a video arte, fundou o estudio-galeria Mamute, a primeira do galeria do Brasil focada em video arte, cujo nome se deve a várias razões: além de ser um nome diferente e curto, o mamute é um animal coletivo.



Bolsa de Arte 

Tipo de Instituição: Galeria de arte contemporânea

Data da visita: 8 de Junho de 2013

Estrutura física: O local está localizado na rua Visconde do Rio Branco 365, no Bairro Floresta, em Porto Alegre. é um local de dois andares bastante amplo e clean, com 800 metro quadrados que de acordo com o site, "reflete a confiança de artistas, colecionadores e do mercado no trabalho da galeria". Essa sede nova foi adquirida em Março de 2011, a antiga era localizada na rua Quintino Bocaiuva, não muito distante do local atual.

Tipo de atividades desenvolvidas e papel no sistema artístico local: O local lança exposições com artistas contemporâneos de renome e também iniciantes criteriosamente escolhidos para poderem apresentar e vender suas obras (o local recebe por semana em média 15 portfólios de artistas novos). Além disso, a equipe do Bolsa de Arte costuma ir em feiras, tanto nacionais como internacionais (por exemplo, a feira de arte internacional de Dubai). Normalmente, são 7 exposições e 4 feiras por ano, sendo 2 no Brasil e 2 no exterior. Em mais de 32 anos de atividades, já realizaram mais de 250 exposições. Eventualmente também organizam cursos, mas de acordo com a Marga, não são muito frequentes. Segundo ela, também é fornecida consultoria para pessoas que desejam ajuda para adquirir algum tipo especifico de arte para uma determinada parede ou estabelecimento. Ela mencionou o caso da casa de um cliente, que graças a consultoria, decidiu adquirir e exibir em casa uma video arte no corredor de sua casa. Embora exista um mercado para a arte, há dificuldades para manter o local já que as tributações são bastante pesadas, não havendo nenhum tipo de desconto pelo fato de ser arte.

Estrutura pessoal: Equipe pequena de menos de 10 pessoas, entretanto, representam mais de 30 artistas.

Profissional que recebeu a turma: Marga Pasquali

Biografia resumida: Trabalha no mercado de arte desde 1980. Gerencia a galeria junto com Egon Kroeff. Faz consultorias para clientes, curadorias e acompanha tanto o trabalho dos artistas que a galeria representa quanto os novos que são escolhidos normalmente através da avaliação de seus portfólios.

domingo, 9 de junho de 2013

Questão sobre Os campos perfumados de Muhammad al-Nafzawi

Ainda que Os Campos Perfumados, redigido por Muhammad al-Nafzawi no séc. XV, período próspero na Tunísia, tenha sido com frequência recebido no Ocidente como uma obra "erótica", René Khawam, autor do prefácio que acompanha a edição brasileira, chama a atenção para a importância da "matéria médica" e das observações psicológicas e sociais na estruturação do texto, um "livro de educação pelo exemplo". Em sua opinião, é possível encontrar no trecho lido exemplos, elementos que corroborem o ponto de vista de Khawam?

Certamente. No capítulo I, "Os que são dignos de elogios, dentre os homens, neste domínio", embora existam várias descrições de atos sexuais e narrativas eróticas, a parte educativa também se faz presente no momento que o autor mostras as características físicas e psicológicas do que é esperado dos homens. Por exemplo, no início do texto, o autor cuidadosamente define quais são as dimensões corporais do homem que mais agradam as mulheres. Para o autor, "O homem em questão deve ter o peito leve de se suportar, mas uma bunda que pese muito". Também define com precisão o tamanho de falo mais comuns e esperados. Além de descrições físicas, ensina boas práticas como a importância de banhar-se e do uso de perfumes. Segundo o autor, "utilização dos perfumes para os homens e para as mulheres ajuda a cópula e a multiplica. Quando a mulher sente o cheiro do perfume no corpo do homem, ela se distende de maneira completa". Além disso, são descritas várias características físicas esperadas dos homens conforme o trecho a seguir: "Nunca mente quando fala a uma mulher e suas palavras correspondem a verdade. É liberal, valente, tem sentimentos generosos e caráter fácil de suportar. Quando diz alguma coisa, pode-se acreditar nele, e quando promete, mantém a palavra. Não trai a confiança depositada nele".


O mesmo acontece no capítulo II, "As que são dignas de elogios, dentre as mulheres, neste domínio". Características físicas femininas desejadas são bem detalhadas ("… é aquela que tem bom porte físico, que tem boa estatura, carne generosa, tez branca e brilhante. Seu cheiro será bom. Seus ombros serão afastados um do outro, seus braços largos, os dois ossos do antebraço grossos, Sua boca será estreita, com lábios macios, de cor vermelha carmesim, espessos, quente, equilibrados, carnudos. Terá o nariz estreito e gracioso, faces lisas de um branco brilhante, com tons rosados, olhos grandes. Seus rosto será majestoso e ,segundo alguns, deverá ter forma redonda. Suas sobrancelhas serão arqueadas, sem serem muito separadas, Sua testa será ampla, sob cabelos negros como a pintura dos cílios. Seu pescoço será longo e redondo na base. Essa mulher deverá ter ombros lagos, peito espaçoso e bem desenvolvido, assim como a cintura, os dois seios rijos, o talhe e as dobras do ventre bem proporcionados, os quadris largos e fortes, o seio arredondado, o umbigo no fundo de um abismo, as mãos e os pés pequenos").

Assim como no caso dos homens, partes sexuais femininas, no livro chamado de portal, também são precisamente descritas. Parte psicológica e comportamental da mulher ideal também é descrita em várias partes do capítulo, como por exemplo: "… Aborrecerá pouco o marido ou os vizinhos. Comportar-se-á com muita decência, permanecerá sempre em sua casa, tolerará pacientemente a ausência do esposo. Terá a língua curta e não falará muito. Possuirá as mais belas qualidades e dará conselhos abençoados por Deus a quem vier consultá-la".

Questão sobre As confissões de Santo Agostinho de Agostinho de Hipona

Agostinho de Hipona (354-430) haveria de se tornar um dos mais proeminentes patriarcas da Igreja. No entanto, em suas famosas Confissões (400), decide apresentar em detalhe seus erros de juventude. Que tipos de erro ou falha Agostinho detecta em si mesmo antes da conversão ao cristianismo?

Para Santo Agostinho, suas principais falhas de personalidade quando era jovem, antes de sua conversão, era a luxúria e o gosto de saborear os prazeres da vaidade humana. Além disso, desconhecia a importância de Deus.

A seguir, um trecho onde demonstra seu interesse pelos prazeres carnais e vaidades: "Era para mim mais doce amar e ser amado, se podia gozar do corpo da pessoa amada. Deste modo, manchava com torpe concupiscência aquela fonte de amizade. Embaciava a sua pureza com o fumo infernal da luxúria. Não obstante ser feio e impuro, desejava, na minha excessiva vaidade, mostrar-me afável e delicado".



No capítulo A influência de um livro de Cícero, confessa que estudava eloquência apenas para se gabar: "Era entre estes companheiros que eu, ainda de tenra idade, estudava eloqüência, na qual desejava salientar-me, com a intenção condenável e vã de saborear os prazeres da vaidade humana".

Da metade para o final do livro III demonstra como desconhecia a importância de Deus: Como podia eu conhecê-lo, se meus olhos só atingiam o corpo e meu espírito não via mais do que fantasmas? […] Ignorava que Deus é espírito e não tem membros dotados de comprimento e de largura, nem é matéria, porque a matéria é menor na sua parte do que no seu todo. Desconhecia inteiramente que princípio havia em nós segundo o qual na Sagrada Escritura se diz que "fomos feitos à imagem de Deus". […] Ignorava a verdadeira justiça interior, que não julga pelo costume, mas pela lei retíssima de Deus Onipotente.

terça-feira, 4 de junho de 2013

Questão sobre A arte de amar de Ovídio

Neste primeiro livro de A arte de amar Ovídio oferece orientações ao homem que deseja conquistar uma mulher (solteira ou casada) na sociedade romana. Comente  alguns dos conselhos que ele apresenta. 

No início do livro, no capítulo Plano, Ovidio diz que o homem deve procurar onde é mais propício encontrar a pessoa certa para ele: "Conhece bem o caçador em que lugares há de aos veados estender as redes; conhece bem por que vales vagueia o javali, de dentes afiados. São conhecidos dos passarinheiros os arbustos, aquele que arma o anzol conhece as águas onde nadam os maiores cardumes; assim também tu, que buscas matéria para um amor duradouro, aprende, primeiro, em que lugares abundam as mulheres".

No capítulo O circo, as corridas de cavalo são um dos lugares sugeridos por Ovidio devida a proximidade que os espectadores ficam um do outro: "... ainda bem que as marcações te obrigam, mesmo que não queiras, a encostar-te, e que ela, graças as condições do lugar, tem de consentir ser tocada por ti".

Em O banquete, explica como o momento de ir a mesa também pode ser propício para uma aproximação, especialmente com ajuda do vinho: "O vinho põe o coração a jeito e torna-o pronto para a fogueira; os cuidados desvanecem-se e diluem-se numa boa dose de vinho puro; chega então, o riso, então o pobre ganha coragem".

Em A Mulher e o desejo, incita os homens a serem auto-confiantes, que a conquista não é uma missão impossível já que as mulheres são propensas a se apaixonarem: "Antes de mais, tem confiança no teu coração de que todas podem ser conquistadas. e vais conquistá-las; basta que estendas as redes".

Em A arte da palavra, aconselha os homens a estudarem, não só pelo conhecimento em si, mas para poder impressionar suas mulheres: "Aprende as boas artes, esse é o meu conselho, ó juventude de Roma, e não apenas para defender réus temerosos; tal como o povo e o juiz severo e os eleitos do senado, assim também a mulher, vencida, há de render as mãos a tua eloquência".

Em Presença constante, mostra como de nada o resto adianta se não se fizer presente e carinhoso: "Sempre que ela se levantar, levanta-te; enquanto estiver sentada, fica sentado; gasta o teu tempo segundo os caprichos da tua dama".

Em A beleza masculina e Palidez descreve um ideal de beleza que os homens devem tentar atingir. Para o autor, "uma beleza desarranjada é o que fica bem aos homens". Ainda que muitos adornos não seja bem vistos pois por exemplo "A filha de Minos, Teseu a levou, sem ter a cabeça enfeitada com qualquer gancho", a higiene e boas vestimentas são essenciais: "É a limpeza que deve dar prazer; revele o corpo a pele tisnada no Campo de Marte; esteja a toga apresentável e sem nódoas; não deve usar-se calçado ressequido e não haja ferrugem nas fivelas". "…sejam cabelo e barba aparados por mão firme; as unhas não devem dar nas vistas de compridas e devem estar limpas, e no nariz não deve haver nenhum pelo; nem saia mau hálito de uma boca malcheirosa, nem atinja o nariz dos outros o fedor do macho e do pai do rebanho". Ou seja, tirando as questões de higiente e vestimenta, qualquer outro tipo de adorno é visto como coisa restrita a mulheres ou homens gays: "Quanto ao resto, deixa-o por conta das mulheres dadas ao prazer ou de qualquer homem que tenha o vício de possuir outro homem".

Ovídio

Ao contrário do que pode-se pensar, Ovidio não repreende a falsidade, enumerando suas vantagens nos capítulos Fingimento e Lisonja, Juras e promessas e especialmente em Lágrimas: "Também as lágrimas são úteis; com lágrimas, comoverás diamantes; faz, se conseguires, que ela veja o teu rosto banhado de pranto; se as lágrimas não aparecerem, pois nem sempre surgem no tempo certo, esfrega os olhos com as mão molhadas".

Em diversos capítulos, enfatiza a importância de tomar a iniciativa, mas isso é ainda mais reforçado no capítulo A iniciativa é masculina, no qual Ovidio diz "Tal como é uma vergonha, sem dúvida, uma mulher tomar a iniciativa".

Também sugere cautela com os amigos no capítulo Desconfiar dos amigos, no qual sugere nunca se gabar da mulher que se tem, pois os amigos podem tentar toma-la: "Não é seguro gabares a um amigo o objeto dos teus amores; quando acredita em ti, que tanto gabas, ele próprio te passa a perna".

Apesar de enumerar diversas receitas e dicas de como conquistar uma mulher, Ovidio termina com o capítulo Para mil mulheres modos mil, no qual deixa claro que não existe fórmula infalível pois "são variados os corações das mulheres" e "Não produz a mesma terra tudo, numa, dá-se bem a videira, noutra, a oliveira; aqui reverdece bem a seara. Tantos são nos corações os modos, quantos no mundo os rostos; quem for sensato, estará preparado para modos sem conta e, qual Proteu, ora se há de adelgaçar nas águas ligeiras, ora há de ser leão, ora árvore, ora javali de pelo eriçado. Aqui apanham-se os peixes com tarrafa, ali com anzol, acolá as redes fundas os arrastam puxadas por cordas retesadas".

domingo, 26 de maio de 2013

Questão sobre Dafnis e Cloe de Longo

Na ilha de Lesbos, dois adolescentes gregos crescem juntos e descobrem o amor. Comente algumas passagens do texto que caracterizem bem a natureza e as peculiaridades dessa descoberta.

No inicio do livro, na primavera, quando ele tinha 15 anos e ela 13, os jogos de ambos eram infantis (Sus juegos eram infantiles y proprios de zagales), tomavam leite, vinho e se alimentavam juntos o lanche que traziam de casa (A menudo compartian ambos la leche ey el vino, y se comian juntos la merienda que traian de casa). Eram amigos tão inseparáveis, que mesmo sendo ótimos pastores, era mais fácil ver as cabras e ovelhas separadas do que Dafnis e Cloe separados (En suma, más bien se hubieran visto las cabras y las ovejas dispersas que a Dafnis y Cloe separados). Entretanto, não levou muito tempo para o amor surgir para eles (En medio de tales juegos, Amor empezó a darles penas). Cloe começou a reparar na beleza de Dafnis certa vez quando ele estava lavando algumas feridas na gruta das ninfas. Ela viu como seus cabelos eram negros, o corpo bronzeado e a pele macia (La cabellera era negra y abundante; el cuerpo, tostado del sol. Diriase que le daba color obscuro la sombra de la cabellera. Cloe que miraba a Dafnis, le hallo hermoso, y como hasta alli no habia reparado en su hermosura, imaginó que el bano se la prestaba. Cloe lavó luego las espaldas a Dafnis, y hallo tan suave la piel, que de oculto se tocó ella muchas veces la suya para decidir cual de los dos la tenia más delicada). Quando voltaram para casa, o que Cloe mais desejava era ver Dafnis banhando-se novamente (Como ya el sol iba a ponerse, ambos volvieron con el hato a sus cabanas, y Cloe deseaba nada tanto como ver a Dafnis banarse de nuevo).

No dia seguinte, Cloe não conseguia cuidar direito dos animais, pensava no banho de Dafnis, reparava nele em vez do rebanho, sentia inquietude na alma, não controlava seus olhos. Se dormia, despertava do nada, com o rosto coberto de palidez que logo ardia em rubor. Ora ria, ora chorava. Tinha perdido o apetite. Não entendia o que se passava pois nunca tinha ouvido falar no que era o amor (Sentia inquietud en el alma; no podia dominar sus ojos y hablaba mucho de Dafnis. No comia de dia, velaba de noche y descuidaba sus ovejas; ya reia, ya lloraba; Si dormia, se despertaba de subito; su rostro se cubria de palidez y luego ardia en rubor).

Na confusão de não entender o que se passava, achou que estava doente, embora isso não parecesse a resposta certa pois já tinha sido picada por abelhas e ficado logo curada. Pra ela, dessa vez, era uma picada que estava atingindo seu coração e era muito mais cruel que todas que já tinha sentido (Estoy mala e ignoro mi mal; padezco y no me veo herida; me lamento y no perdi ningun corderillo; me abraso y estoy sentada a la sombra. Mil veces me clave las espinas de los zarzales y no lloré; me picaron las abejas y pronto quede sana. Sin duda que esta picadura de ahora llega al corazón y es más cruel que las otras).
Dafnis e Cloe

Cloe chegou ao ponto de tentar analisar aqueles sentimentos racionalmente afim de entende-los, por exemplo, achava Dafnis muito belo, do mesmo modo que achava as flores, mas em vez de pensar nas flores e em Dafnis, pensava só nele (Si Dafnis es bello, las flores lo son tambien; si el canta lindamente, no cantan mal las avecicas. Por que piento en el y no en las avecicas y en las flores?).
Cloe queria ser a flauta de Dafnis para sentir seu hálito ou o cabritinho para poder ser carregada em seus braços (Quisiera ser su flauta para que infundiese en mi su aliento! Quisiera ser su cabritillo para que me tomara en sus brazos).

Entretanto, havia um triângulo, pois Dorcon gostava de Cloe e tentava dissuadi-la de Dafnis falando, entre outras coisa, que ele era mais alto, educado, branco e muito mais rico que Dafnis, (soy más alto que Dafnis, y valgo más de boyero que el cabrero, porque los bueyes valen más que las cabras. Soy blanco como la leche y rubio como las mies cuando la siegan. No me crió una bestia, sino mi madre. Este es chiquitin, lampino como las mujeres y negro como um lobezno. Vive entre chotos, y su olor ha de ser atroz, y e tan pobre, que no tiene para mantener um perro) mas não havia um motivo que fizesse Cloe pensar menos de Dafnis.

Até que um dia, movido pelo desejo, beijou inocentemente Dafnis. Dafnis não parecia ter sido beijado mas sim mordido pois desse dia em diante, suspirava com frequência e não reprimia a agitação em seu peito. Sempre que via Cloe, ficava vermelho. Admirava sua beleza. Achava que antes estava cego pois não via tudo isso. Se perguntava "O que me fez o beijo de Cloe? Seus lábios são mais suaves que as rosas, sua boca mais doce que um favo e seu beijo mais punjante que uma agulha de abelha". "Me faz falta seu hálito, meu coração palpita, me derrete a alma, e mesmo assim quero mais beijos". "Havia Cloe tomado veneno antes de me beijar? Como não morri então?"

Ambos se alegravam ao ver um ao outro, doia neles se separar. Só sabiam que a origem de sua inquietação para ela era um banho, e para ele um beijo. Dessa forma descobriram o amor, sem ninguém contar para eles, simplesmente vivendo o momento, tentando entender seus sentimentos.

sábado, 18 de maio de 2013

Relatório sobre a visita ao Studio Clio e MACRS

Studio Clio - Instituto de Arte e Humanismo 

Endereço: Rua José do Patrocinio 698
Funcionários: O quadro é pequeno, contando com recepcionista, relações públicas, curadores e professores convidados para os cursos e artistas para outras atividades como concertos.
Palestrante: Francisco Marshall
Minibiografia: Professor do Instituto de Artes, licenciado em história pela UFRGS, Doutor pela USP e pós-doutor por Princeton e pela universidade Heidelberg. Um dos fundadores do Studio Clio junto com seu irmão e curador cultural.

O prédio onde está localizado o Studio Clio foi construido em 1924, mas foi reformada pela arquiteta Ediolanda Liedke em 2004. O lugar é compoosto por um auditório com capacidade para 100 pessoas no formato concerto e 55 pessoas quando rearranjado para os banquetes culturais. O auditório conta ainda com telão para exibições de filmes e uma acústica especialmente projetada de forma que concertos e apresentações musicais possam ser apreciadas com toda a qualidade, lembrando a acústica dos antigos teatros gregos. Além disso, há um café, decorado com peças de arte, com opções de café, vinhos, cervejas e salgados. No andar acima do café há um pequeno mezanino que serve como camarim para os artistas de apresentações ou ainda reuniões. Por fim, há uma microgaleria de arte na recepção do Studio Clio, dedicada a artistas de destaque no meio cultural gaúcho, com curadoria da professora do IA Blanca Brites e do artista Leandro Selister. Entre as atividades do local, estão os banquetes culturais no qual a comida as refeições são temáticas, com referências audiovisuais que harmonizam com o alimento (inclusive, com apoio da cervejaria Coruja, uma cerveja criada pelo Instituto Clio foi lançada em edição especial, a cerveja Baca). Também ocorrem no local cursos e oficinas variadas com temas como escrita acádica, oficinas literárias, arte africana antiga e história da alta costura. Concertos e shows aproveitando a acústica privilegiada do local também são realizados assim como viagens com guias especializados através do Cliotur. Marshal mencionou que o próximo ocorrera na região da Magna Grécia e será conduzido por ele, especialista em História Antiga e arqueologia. O lugar não recebe apoio do governo, tendo que pagar altos impostos, portanto sendo obrigado a cobrar pelas suas atividades, o que faz algumas pessoas acusarem o local de elitista.


MACRS - Museu de Arte Contemporanea do Rio Grande do Sul

Endereço: Rua dos Andradas 736 na Casa de Cultura Mario Quintana.
Funcionários: Quadro pequeno, muitas dificuldades para novas contratações pois requer abertura de concursos públicos. Um dos problemas mencionados por André foi a falta de um restaurador de quadros, já que muitas obras acabaram sendo danificadas.
Palestrante: André Venzon
Minibiografia: Artista formado pela UFRGS, foi mediador de diversas exposições artisticas tendo atuado no MARGS, Bienal do Mercosul e Santander Cultural. Participou de exposições coletivas e intervenções culturais. Atualmente também é diretor do MACRS.

O museu foi criado em 1992 por um decreto do governo do estado com o objetivo de pesquisar, preservar e divulgar a arte contemporanea, especialmente no ambito regional, tendo sido gerido inicialmente por Gaudêncio Fidelis. O museu conta com um grande acervo, parte doada por artistas, parte adquirida com verbas provenientes do poder público. O espaço físico do local conta com as galerias Xico Stockinger, Galeria Sotero Cosme e Espaço vasco Prado. Entretanto, a casa de Cultura ficou pequena demais para o tamanho do museu e em breve ele receberá um espaço maior no antigo prédio da Mesbla, que agora abriga também a Ulbra. André mencionou também sobre todo catalogamento que foi feito das obras e do arquivo do museu, de forma que houvesse um maior controle e cuidado delas. Muitas já estavam sofrendo desgaste, mas felizmente em alguns casos, os próprios artistas se dispuseram a fazer o restauro. O objetivo para os próximos anos é continuar a crescer o acervo e divulgar melhor o museu para a comunidade.

segunda-feira, 13 de maio de 2013

Pergunta sobre As troianas de Euripedes

Em As troianas Eurípedes retoma duas personagens femininas fortes, que já haviam sido apresentadas por Homero na Ilíada, Hécuba e Andrômaca. Compare brevemente as duas, destacando o modo como Eurípedes as caracteriza.

Hécuba é esposa de Príamo, rei de Tróia. Mãe de Polixena, Cassandra e Heitor, este, fora casado com Andrômaca e morto durante a guerra. Tanto Hécuba quanto Andrômaca sofrem muito pois diversas desgraças se sucedem em suas vidas, mas vemos que a maneira que as duas lidam é bastante diferente. Hécuba mostra ser bem mais conformada com o destino e sempre procurar uma saída para tanta desgraça, como mostra a seguinte parte em que diz: "A fortuna varia; Sê brava. Navega com a corrente, navega com o vento do destino. Não enfrentes com o navio da vida os vagalhões do infortúnio". 

Euripedes a descreve como uma pessoa que mesmo com tantas coisas ruins acontecendo em sua vida (destruição de sua Pátria, perda de membros da família, escravidão) continua acreditando e invocando os Deuses conforme mostra essa parte: "Oh Deuses! São fracos, em verdade, os protetores que agora invoco; mas ainda é costume invocar os deuses, quando o infortúnio nos aflige". Hécuba, ao contrário de Andrômaca, prefere esse sofrimento todo do que a morte, pois segundo ela "A morte e a vida não são a mesma coisa, minha filha. A morte é o nada; na vida há esperança". Já Andrômaca acredita que em tempos de desgraça, é melhor estar morta pois "Os mortos, eu digo, são como se não tivesse nascido. É melhor morrer do que viver sofrendo". Andrômaca é vendida para ser esposa do homem que matou Heitor, e isso é o pior dos pesadelos para ela pois: "Terei de viver na casa dos assassinos de meu marido. E, se eu me esquecer de meu querido Heitor e abrir o coração ao meu senhor atual, parecerei trair os mortos. Por outro lado, se me apegar ao amor de Heitor, serie odiada pelo meu amo e senhor". Essa situação faz Andrômaca querer morrer, já Hecuba novamente tenta encontrar uma forma de ser feliz, de navegar conforme os ventos pois a aconselha da seguinte forma: "Minha querida filha, não penses mais no destino de Heitor. As tuas lágrimas não o salvarão. Respeita o teu senhor atual; influencia o teu marido com os recursos de que és capaz. Se assim fizeres, terás uma felicidade que todos os teus amigos compartilharão, e farás com que este meu neto seja uma poderosa ajuda a Tróia; algum dia, os seus descendentes poderão voltar e aqui se estabelecerem, e Tróia será outra vez uma cidade".

domingo, 5 de maio de 2013

Comentários sobre capítulo do livro Histórias de Heródoto de Halicarnasso

Ao apresentar em sua História o embate entre Creso e Ciro, Heródoto explora um tema caro ao pensamento grego, o da mudança de fortuna. Que mudança de fortuna é vivida por Creso? Para Heródoto, a que ela se deve? 

Creso é o rei da Ligía, um império tão poderoso que subjugou diversos outros, fazendo de sua capital Sardes, uma cidade florescente e rica. Creso se considerava não apenas poderoso, mas também o homem mais feliz do mundo (embora Sólon tenha desmentido). Sua sorte começa a mudar com a morte de seu filho Atis, que havia sido premeditada em sonho, por causa de uma lança lançada por Adrasto, um estrangeiro acolhido por Creso. Devido ao crescimento e ameaça do império Persa, Creso procurou por oráculos de toda a Grécia para tentar se precaver (inclusive testando-os para saber se eram realmente bons oráculos). Entretanto, Creso não soube interpretar o que ouviu, levando-o a desgraça. Isso ocorreu quando dois oráculos predisseram, um e outro, ao soberano a guerra contra os Persas e a consequente destruição de um grande império. Creso se agarrou a essa esperança de que seria ele o rei do império vencedor, e não se certificou de perguntar qual seria esse império que seria destruido, ele simplesmente ficou feliz: "Creso experimentou imensa alegria e, alimentando a esperança de arrasar o império de Ciro, enviou novos emissários a Delfos com a finalidade de presentear cada um de seus habitantes …".


 A segunda previsão que Creso interpretou mal foi quando perguntou se seu reinado seria longo e recebeu a seguinte resposta: "Quando um asno for rei dos Medos, então foge, lídio efeminado, para as margens do Termo pedregoso: não penses em resistir nem te envergonhes da covardia". Essa resposta fez Creso acreditar que seu reinado seria longuíssimo pois em sua opinião jamais se veria no trono dos Medos um asno. Entretanto, no fim da história ficamos sabendo que "Ciro era esse asno, por pertencerem os autores de seus dias a duas nações diferentes, sendo o pai de origem menos ilustre que sua mãe; esta natural da Média e filha de Astiages; o outro, persa e súdito a Média. Embora inferior em tudo, havia desposado a soberana". Essa interpretações desafortunadas levaram Creso a guerra e consequentemente a derrota. Creso foi de rei a condenado a morte na fogueira. No fim, quando está preso a fogueira, Creso tem ainda mais uma virada de fortuna, dessa vez positiva, quando Apolo faz chover, o que apaga a fogueira e permite que Creso vire conselheiro de Ciro (para Ciro, foi a prova que Creso era querido pelos Deuses). Para Heródoto, essas mudanças de fortuna ocorreram por causa do excesso de confiança de Creso, que não interrogou mais a fundo os Oráculos, preferindo acreditar no poder de seu império, e também a essas interpretações mal feitas. Portanto, nas palavras de Heródoto: "Não tendo nem aprendido o sentido do oráculo nem interrogado de novo o deus, não deve queixar-se senão de si mesmo".

Exposição Fortuna de William Kentridge no Museu Iberê Camargo

Ontem visitei finalmente a exposição Fortuna de William Kentridge, que fica temporariamente no museu Iberê Camargo de 7 de Março a 26 de Maio (curadoria de Lilian Tone). A exposição é bem grande ocupando 2 andares inteiros com quase 25 anos de obras do artista num total de 31 esculturas, 32 desenhos, 115 gravuras e duas video instalações. Como não conhecia nada do artista, foi uma grande oportunidade de conhecer sua obra, que apesar de numerosa, só foi receber reconhecimento internacional graças aos seus curtas de animação que chegaram a ser exibidos no Festival de Cannes.

Nas video instalações do museu assisti alguns deles: Johannesburg: 2nd Greatest City After Paris, Monument, Mine, Felix in Exile e Sobriety, Obesity & growing old. Assim como grande parte do resto de sua obra, as animações tocam em questões do apartheid. Embora não tenha sofrido diretamente o preconceito por ser branco, Kentridge vivenciou esse triste período sul-africano por ser seu país natal.

Todas essas animações foram feitas usando carvão e de vez em quando tinta pastel em vermelho ou azul (para retratar sangue e água).

Frame de uma de suas animações transformado em quadro

 Na exposição estão também presentes alguns frames dessas animações que o artista considerou válidos virarem quadros. Além disso, há uma parte dedicada ao massacre da Abissínia (atual Etiópia) no qual os italianos usaram armas químicas deixando vários mortos e feridos, mas que é raramente lembrado pela história.
Quadro sobre o massacre da Abissínia

 William Kentridge também possui obras menos tradicionais mas bastante interessantes, como gravuras que quando visualizadas com lentes especiais ganham uma forte noção de profundidade.

Uma das obras que requer as lentes e transmite sensação de profundidade

A minha favorita de todas foi essa escultura, que tem embora seja estática, possui diferentes significados de acordo com o ponto de observação.

De frente, o globo, formado por antenas de comunicação (ou torres de petróleo?)

De lado, o mesmo globo se desintegrando

Por trás, seria ele dominado por poucos poderosos?

Uma grata surpresa conhecer um artista contemporâneo com um estilo bem próprio e criativo, numa exposição tão bem produzida ainda por cima sem precisar sair da minha cidade.

quarta-feira, 17 de abril de 2013

Relatório sobre o ciclo de palestras sobre Arte e Educação no Iberê Camargo

Palestrante da primeira palestra: Paulo Portella Filho, coordenador do serviço educativo do MASP.

Paulo falou sobre a construção de sentidos com o público e seu trabalho no setor de educação do MASP. Setor esse que abriu somente após 60 anos depois da inauguração do museu (abertura oficial do setor foi em 1996, com 15 integrantes). Uma das iniciativas dele foi criar uma assessoria para professores de escolas públicas e particulares. Duas horas por semana esses professores recebem instrução para poderem repassar a seus alunos. Também existe um curso introdutório a história da arte usando obras do MASP, que acontece uma vez por mês sempre num Sábado. O curso já está na décima quinta edição, sempre lotado. Falou também das visitas guiadas realizadas no MASP, que podem incluir atividades de artísticas como pintura. Também falou de um projeto chamado amigos do MASP, em que professores ganham uma carteirinha que dá acesso ao museu de graça (o ingresso normal custa 15 reais). Entretanto, Paulo deixou claro que o setor educativo do MASP não visa auxiliar apenas escolas e mencionou um projeto no qual policiais militares aprendem sobre arte nas dependências do museu.

Palestrante da segunda palestra: Maria Isabel Leite, arte-educadora.

O foco de Maria Isabel foi os museus e as crianças. Ela mostrou como museus são ambientes na realidade de tédio e principalmente opressivos para crianças em vez de lugares que incentivem o lado artístico delas. As obras como quadros normalmente ficam numa altura ruim para qualquer criança poder olhar adequadamente, além disso, museus hoje em dia são cheios de seguranças, alarmes e regras. Ela citou como exemplo uma ida desastrosa ao museu de seu sobrinho que acabou disparando um alarme de um quadro sem querer por se aproximar demais de um vidro que protegia a obra. Ela mostrou também algumas iniciativas de alguns museus para deixar seu acervo mais acessível. Por exemplo, falou de um museu que permitia fazer festas de aniversário dentro, junto as obras, antes da entrada do público, junto com atividades lúdicas. A arte-educadora falou da falácia de que crianças querem sempre obras especialmente direcionadas para elas (como a exposição história em quadrões da Turma da Mônica) quando na realidade, crianças também podem apreciar obras de qualidade que são em princípio direcionadas a adultos.

Palestrante da terceira palestra: Cayo Honorato, pesquisador da USP.

A Palesta do Cayo tocou na importância do público no trabalho de um artista. Ele dividiu a palestra em três partes. Na primeira, mencionou um artigo de Marcel Duchamp chamado O ato criador, publicado em Abril de 1957. Nesse artigo, Duchamp afirma que o ato criador não é consumado sozinho. Isto é, existe uma área nebulosa entre a intenção de um artista e a obra em si. A obra quase nunca corresponde 100% as intenções do artista. Cabe ao público interpretar e decifrar essa área entre a intenção e a realização. Ou seja, o público ajuda o artista e tem papel fundamental pois acrescenta novas interpretações para as obras. Na segunda parte da palestra, Cayo falou sobre um artigo denominado A importância do público, de Leon DeGand, publicado em 1948. Esse artigo discorria sobre a falta de estudos sobre o impacto e importância desse público na obra de um artista. De acordo com o autor: "A obra não é apenas aquilo que o artista pretendeu que ela fosse, consciente ou inconsciente. É também [sic] tudo aquilo que cada um de nós, em obediência aos modismos espirituais da época e [sic] do estado de humor pessoal, diminui, acrescenta ou modifica". Além disso, foi comentado que existe uma dissonância entre público e artista e a única maneira de acabar com esse mal entendido é a educação. Para Matarazzo, o público não entende nada de arte moderna e deve ser educado mesmo a sua revelia. Na terceira parte da palestra, Cayo mostrou um projeto americano que ocorre na cidade de Minneapolis chamado Open Field. No verão, uma grande área aberta ao lado de um museu é usada para diversas atividades com o público, das mais variadas, desde violino para iniciantes a sessão de videos sobre gatos da Internet (lolcats).

Palestrante da quarta palestra: Rejane Coutinho, pernambucana pesquisadora do IA da Unesp.

A palestra de Rejane Coutinho foi para pensar sobre a formação do educador enquanto mediador cultural. A formação dos educadores é de extrema relevância e é responsabilidade do formador sempre manter o seu processo de formação, pois esse processo está sempre incompleto e em transformação. Além disso, o educador deve refletir constantemente e pensar sobre como foi sua própria educação de modo que consiga entender as dificuldades e desafios que seus alunos enfrentam. Por mediadores, entendemos que não são apenas professores, mas também mediadores de Instituições de arte, afinal, mediar é informar, partilhar, convencer e seduzir. Outra discussão que Rejane colocou em pauta foi sobre o papel do educativo para instituições. Para ela, existem dois grandes papéis: o papel promocional (valorização da instituição, conquista de clientes) e o educacional (transmissão de valores).

terça-feira, 16 de abril de 2013

Questão sobre o Mahabharat

Os pândavas e os káurava são parentes muito próximos. No entanto, há muitas características que os distinguem e os separam, diferenças que justificam a guerra que os dois grupos travarão no Mahabharata. Que características são essas, a seu ver? Ilustre sua resposta com alguns exemplos tirados do trecho lido.

A primeira grande diferença é que os pândavas são filhos de deuses ao passo que os káuravas não. Devido a maldição que Pandu sofreu, ele jamais poderia ter filhos, ou morreria caso tentasse. Por isso, decidiu morar na floresta como um asceta e abdicar do trono de Hastinapura que era seu de direito. Na floresta vivia com suas duas esposas: Kunti e Madri. Kunti tinha uma particularidade: ela sabia de um mantra capaz de invocar os deuses. Pandu interessado em continuar sua linhagem apesar da maldição, pediu para Kunti invocar os deuses.



Três pândavas nasceram da relação de Kunti com os deuses e dois gêmeos nasceram da relação de Madri com outros deuses (Kunti havia invocado os deuses para ela). Já os cem káuravas são filhos de Dritarastra, irmão mais velho e cego de Pandu. Após a morte de Pandu (que desobedeceu a maldição) e a de Madri por ter desejado acompanha-lo na morte, Kunti e os cinco irmão foram para Hastinapura para serem criados juntos com os primos káuravas. De acordo com o texto, os pândavas eram pessoas cheias de qualidade:

Todos os cinco irmãos exibiam excelentes qualidades. Humildes e obedientes aos mais velhos, eram generosos e sempre sinceros. Conforme cresciam, os anciãos kurus viam que eles seriam os melhores sucessores para o trono. Os garotos dos deuses agradavam aos kurus de todas as maneiras. 

Graças a tantas qualidades, isso gerou uma grande inveja nos káuravas:

Esses princípes, que eram conhecidos como káuravas, logo começaram a invejar os filhos de Pandu. O mais velho deles, Duriodhana, sentia uma raiva especial pelos primos, percebendo que ameaçavam sua reinvidicação ao trono. Nem ele nem seus irmãos tinham alguma das virtudes demonstradas pelos pândavas. Na verdade, havia uma grande preocupação quanto a possibilidade de Duriodhana se tornar rei, uma vez que seu nascimento se fizera acompanhar de muitos maus augúrios.

Esse trecho acima demonstra que além de serem invejosos, os káuravas não possuiam no mesmo grau todas essas qualidades que os pândavas possuiam (humildade, obediência, generosidade, sinceridade). Além disso, enquanto o nascimento dos pândavas é auspicioso pois nasceram de deuses, o do kaurava mais velho é justamente o oposto, com "muitos maus augúrios". Essa inveja nos káuravas gerou ódio, conforme o trecho seguinte:

Vendo que a importância de sua posição diminuia com a presença dos pândavas, Duriodhana se encolerizou, pressentindo que seu direito ao trono estava ameaçado. Além das muitas qualidades pessoais, parecia que os pândavas também tinham objetivos superiores para o reino.

Por causa dessa raiva, os káuravas tentaram matar os pândavas em diversas oportunidades. A primeira delas foi a tentativa de envenenamento de Bima que falhou graças ao antídoto de uma cobra. Também houve uma tentativa de queimar todos os pândavas dentro de uma casa numa emboscada. Isso demonstra que os káuravas não tinham limites em sua ambição. O comportamento correto dos pândavas é novamente evidenciado em outra parte do texto:

O comportamento correto e quase divino dos pândavas conquistou Bishma e Vidura, de quem eles eram os favoritos. 

Já o comportamento dos káuravas é o oposto do considerado correto:

O príncipe kaurava era muito arrogante e dado a certo comportamento licencioso. Eles e os irmãos adoravam beber muito vinho e ficar com mulheres, rindo-se dos pândavas, que se mantinham fiéis aos princípios da virtude. 

Os káuravas também demonstram falsidade a fim de fazer suas emboscadas contra os pândavas, como por exemplo quando estavam agrando o povo só para levar a cabo o plano de queimar os pândavas:

Já notara como os káuravas estavam tentando obter a simpatia do povo com favores e caridades, e agora comprendia por quê. Para ele (Iudistira), era óbvio que algum plano malicioso estava a caminho.

Por fim, os pândavas demonstram se entender mais entre si do que os káuravas conforme esse trecho:

Os outros pândavas, sempre obedientes ao irmão mais velho, concordaram.

Já os káuravas, discordaram inicialmente quando estavam tramando o plano de queimar os pândavas (um dos káuravas sugeriu não fazer a emboscada, mas sim enfrenta-los numa batalha corpo a corpo). Todas essas características levam a crer que os pândavas representam o comportamento correto, ligado aos deuses, ao auto-conhecimento, enquanto os káuravas tem um comportamento egoísta, invejoso, falso e inconsequente.

domingo, 14 de abril de 2013

Relatório sobre a visita ao arquivo histórico do Instituto de Artes

Instituição: Arquivo histórico do Instituto de Artes

Tipo de instituição: Arquivo

Data da visita: 23 de Março de 2013

Estrutura física: Sede localizada em prédio na rua Sarmento Leite, 500, sala 114 em Porto Alegre. Consiste de algumas salas onde estão guardados a maior parte dos documentos gerados pelo Instituto de Artes da UFRGS.

Tipo de atividades desenvolvidas e papel no sistema artístico local: O arquivo histórico do Instituto de Artes tem o papel de guardar de documentações do Instituto de artes de forma que elas fiquem conservadas para manter viva a história do Ia. Armazena aproximadamente 400m lineares de documentos relativos a origem, aos direitos e objetivos da instituição, incluindo documentos como regimentos, regulamentos, leis, decretos, planos, plantas arquitetônicas, projetos, programas, pareceres, correspondências, etc. Possui também acervo manuscrito e visual como fotografias, gravuras e impressos.

Estrutura Pessoal: Atualmente composta pela arquivista Medianeira, um técnico administrativo e bolsistas.

Profissional que recebeu a turma: Medianeira Pereira Goulart.

Biografia resumida: Bacharel em Arquivologia, pela Universidade Federal de Santa Maria, em 1993. Especialista em Gestão em Arquivos, em 2010. Arquivista na Universidade Federal do Rio Grande Do Sul. Atua nas áreas de gestão em arquivos, elaboração e desenvolvimento de projetos e sistemas de informação, memória, história e políticas de preservação e conservação de acervos. Medianeira nos recebeu no Arquivo e contou das dificuldades enfrentadas para salvar os documentos. A primeira pessoa a tentar resgatar os documentos do IA foi o prof. Sirio Simon. Esses documentos foram enviados para um depósito em 1994. Entretanto esse depósito tinha diversos problemas: sofria alagamentos que molhava os documentos, além de sérios problemas na instalação elétrica que poderia incorrer num incêndio a qualquer momento, o que faria todo o material ser perdido.


Medianeira mostrou 2 fotos desse depósito que de fato confirmavam a situação calamitosa do Arquivo. Muito material simplesmente foi perdido ou apodreceu durante esse periodo. Em 2000 finalmente um local melhor foi cedido pela UFRGS, local onde o arquivo se encontra agora. Mesmo com o novo local, as dificuldades continuavam. Muitos funcionários da própria UFRGS não davam valor para o trabalho sendo realizado pela Medianeira e exigiam que as salas fossem usadas para outros propósitos. Aos poucos o material foi sendo organizado e a situação foi melhorando. Infelizmente, pouco depois o Arquivo foi arrombado por causa de um assalto, e alguns materiais como impressoras e scanner foram roubados. Medianeira também contou de um projeto extremamente bem sucedido realizado em 2009. Diversas fotos antigas selecionadas por ela foram colocadas no site do Arquivo do Ia. Com ajuda de divulgação de meios de massa como o Jornal Zero Hora, a população foi convocada a explicar quem e o contexto dessas fotos. Muitos alunos, ex-alunos e outras pessoas colaboraram, o que permitiu que quase todas as fotos fossem contextualizadas.

Relatório da visita ao Instituto de Artes

Instituição: Instituto de Artes da UFRGS

Tipo de instituição: Faculdade de artes visuais, cênicas e de música.

Data da visita: 16 de Março de 2013

Estrututura fisica: Sede localizada em prédio na rua Senhor dos Passos, 248, em Porto Alegre, com salas de aula, biblioteca, além dos espaços culturais mantidos pelo IA tais como o Auditorium Tasso Correa, Pinacoteca Barão de Santo Ângelo, Sala Alziro Azevedo e Sala Qorpo Santo.

Tipo de atividades desenvolvidas e papel no sistema artístico local: O IA tem papel fundamental na formação de novos artistas, além de permitir que pesquisa em arte seja feita pelos professores. O IA também promove e organiza eventos culturais.

Estrututura Pessoal: Composto por mias de 100 professores e 55 funcionários do corpo técnico administrativo (contabilidade, núcleo de informática, almoxarifado, recepção, comunicação, portaria, etc) e cerca de 800 alunos regularmente matriculados. 

Profissional que recebeu a turma: Paulo Gomes.

Biografia resumida: Artista plástico, curador independente e professor na UFRGS. Mestre e Doutor em Artes Visuais – Poéticas Visuais, pela UFRGS. Desenvolve pesquisa na área de Poéticas Visuais, sobre arte contemporânea e arte no Rio Grande do Sul. Tem textos publicados em livros, revistas e jornais. Paulo Gomes falou principalmente de sua pesquisa resgatando a história do Instituto de Artes da UFRGS, o que derivou em um livro que ainda será publicado. O instituto de artes nasceu em 22 de Abril de 1908 com o nome de Instituto livre de Belas Artes fundado pelo médico Olinto de Oliveira, que inclusive hipotecou a casa para comprar equipamentos para o Instituto. Em 1930, o instituto junto com outros 5 cursos formou a UPA (Universidade de Porto Alegre).


Segundo Paulo Gomes, existia um preconceito de outros cursos por achar que um curso de Artes Plásticas não "merecia" estar junto com outros cursos mais "importantes" como Engenharia e Medicina. Em 1939 foi desvinculado da UPA, mas em 1962 foi reanexado a uma Universidade, mas dessa vez a UFRGS. O prédio que visitamos foi concluído em 1943 com ajuda de hipotecas de alguns professores. O IA seria na concepção inicial formado por 3 prédios, entretanto, só um deles foi finalizado. O professor Paulo mostrou várias salas do prédio, e mencionou as dificuldades em manter as caracteristicas e obras do prédio. Por exemplo, nos mostrou uma sala de aula com um mural que infelizemente não recebeu a devida valorização mesmo dos alunos pois cadeiras eram colocadas se apoiando na parede onde está a obra, além de infiltrações que no passado danificaram o mural. Também nos mostrou uma sala onde uma parede que tinha um mural foi completamente pintada de preto pelos alunos pois atrapalhava as festas que eram promovidas no local. Também mostrou o diretório acadêmico, uma sala nova onde pinturas são guardadas e a entrada do Instituto onde existem duas moulages, uma da Venus e outra de Apolo de Belvedere. Falou também de um mural que existe bem no alto na frente do prédio que estava com algumas rachaduras mas que foi parcialmente restaurado. Mencionou o bar que existiu por um longo tempo mas que foi fechado por falta de demanda. Atualmente uma das grandes reinvidicações dos alunos é pela reabertura dele.

Comentários sobre A epopéia de Gilgamesh

Em A Epopeia de Gilgamesh, um conjunto de histórias sumérias sobre o jovem rei de Uruk, é possível perceber aspectos associados à vida civilizada, à vida selvagem e ainda à convivência entre ambas. A partir de alguns exemplos extraídos do texto, reflita sobre esse tema. 

 No texto, Gilgamesh representa a vida civilizada enquanto Enkidu representa a vida selvagem. Isso fica claro em diversas partes do texto. O texto logo começa descrevendo aspectos físicos de Enkidu:

Seu corpo era rústico, seus cabelos como os de uma mulher; eles ondulavam como o cabelo de Nisaba, a deusa dos grãos. Ele tinha o corpo coberto por pêlos emaranhados, como os de Samuqan, o deus do gado. Ele era inocente a respeito do homem e nada conhecia do cultivo da terra. 

Esse trecho evidencia a aparência ''animalesca" de Enkidu (cabelos longos, pelos emaranhados) além de mostrar aspectos de personalidade mais primitivos e ligados a natureza como a inocência e a falta de conhecimentos sobre cultivo da terra (o cultivo da terra foi justamente o que sedentarizou e iniciou a revolução do neolítico que civilizou o homem).



Em outro trecho, é feito um paralelo entre o comportamento dos animais da floresta e Enkidu, mostrando que ambos se comportavam da mesma maneira, pois ele comia e bebia o mesmo que os animais:

Enkidu comia grama nas colinas junto com as gazelas e rondava os poços de água com os animais da floresta; junto com os rebanhos de animais de caça, ele se alegrava com a água. 

A convivência entre o selvagem e o urbano é num primeiro momento tensa. Um caçador representante da vida urbana diz sobre Enkidu:

Ele é o homem mais forte do mundo, parece um dos imortais do céu. 

O medo fica mais claro nessa outra frase:

Tenho medo e não ouso dele me aproximar. 

O homem selvagem atrapalha o homem civilizado, como demonstra essa passagem:

Ele (Enkidu) tapa os buracos que cavo e destrói as armadilhas que preparo para a caça; ele ajuda as feras a escapar e agora elas escorregam por entre meus dedos. 

A convivência fica mais tensa quando o caçador decide "civilizar" Enkidu, através das "artes da mulher". Segundo Deus, isso faria os animais repudiarem Enkidu. O caçador com ajuda de uma rameira, segue então o plano, que de fato dá certo; as "artes da mulher" trazem para o homem selvagem o conhecimento e os "pensamentos do homem", como mostra essa parte do texto:

Enkidu queria segui-las (as gazelas), mas seu corpo parecia estar preso por uma corda, seus joelhos fraquejavam quando tentava correr, ele perdera sua rapidez e agilidade. E todas as criaturas da selva fugiram; Enkidu perdera sua força, pois agora tinha o conhecimento dentro de si, e os pensamentos do homem ocupavam seu coração. 

Esse novo conhecimento gera a transformação do homem primitivo no homem civilizado. Se transforma na corda metafórica que não deixa Enkidu seguir os animais. Essa transformação parece ruim num primeiro momento por causa do repudio dos animais, mas acaba sendo vista com bons olhos por Enkidu quando a rameira o sugere ir a cidade. Nas palavras da rameira:

És sábio, Enkidu, e agora te tornaste semelhante a um deus. Por que queres ficar correndo à solta nas colinas com as feras do mato? Vem comigo. Vem e te levarei à Uruk ...

Outra passagem dessa colisão de dois mundos é quando Enkidu bebe vinho e come pão pela primeira vez:

Eles depositaram pão à sua frente, mas Enkidu só estava habituado ao leite que sugava dos animais selvagens. Ele se atrapalhou com as mãos e pasmou, sem saber o que fazer com o pão e o vinho forte. A mulher então disse: Enkidu, come o pão, é o suporte da vida; bebe o vinho, é o costume da terra. Enkidu então comeu até ficar satisfeito e bebeu do vinho forte, sete cálices. Ele ficou alegre, seu coração exultou e seu rosto se cobriu de brilho. Enkidu escovou os pêlos emaranhados de seu corpo e untou-se com óleo. Ele se transformara num homem; 

O embate final entre o homem civilizado contra o homem selvagem é representado na luta entre Gilgamesh e Enkidu:

Os dois então se engalfinharam como touros. Destruíram a porta da casa, e suas paredes tremeram; bufavam como dois touros trancados juntos. 

No fim, essa luta foi vencida por Gilgamesh, representante da vida civilizada. Embora Gilgamesh represente a vida civilizada, ele também demonstra um fascínio pela vida selvagem, isso é evidenciado quando ele conta um sonho que teve a sua mãe:

Um meteoro, feito da mesma substância de Anu, caiu do céu. Tentei levantá-lo do chão, mas era pesado demais. Toda a gente de Uruk veio vê-lo; o povo se empurrava e se acotovelava ao seu redor, e os nobres se apinhavam para beijar-lhe os pés; ele exercia sobre mim uma atração semelhante à que exerce o amor de uma mulher. 

Sua mãe então conta que esse meteoro representa Enkidu:

Ele é um forte companheiro, alguém que ajuda o amigo nas horas de necessidade. Ele é o mais forte entre todas as criaturas selvagens; é feito da substância de Anu. Ele nasceu nos campos e foi criado nas colinas agrestes. Ficarás feliz ao encontrá-lo; vais amá-lo como a uma mulher, e ele jamais te abandonará. E isto o que significa teu sonho. 

Nessa afirmação mais uma vez Enkidu é comparado a vida no campo pois nasceu nos campos e foi criado nas colinas agrestes. Embora exista esse fascínio do homem civilizado em relação a natureza, não há volta para o mundo selvagem uma vez que se conhece a civilização.