Meus trabalhos e experiências no curso de História da Arte na UFRGS

domingo, 14 de abril de 2013

Comentários sobre A epopéia de Gilgamesh

Em A Epopeia de Gilgamesh, um conjunto de histórias sumérias sobre o jovem rei de Uruk, é possível perceber aspectos associados à vida civilizada, à vida selvagem e ainda à convivência entre ambas. A partir de alguns exemplos extraídos do texto, reflita sobre esse tema. 

 No texto, Gilgamesh representa a vida civilizada enquanto Enkidu representa a vida selvagem. Isso fica claro em diversas partes do texto. O texto logo começa descrevendo aspectos físicos de Enkidu:

Seu corpo era rústico, seus cabelos como os de uma mulher; eles ondulavam como o cabelo de Nisaba, a deusa dos grãos. Ele tinha o corpo coberto por pêlos emaranhados, como os de Samuqan, o deus do gado. Ele era inocente a respeito do homem e nada conhecia do cultivo da terra. 

Esse trecho evidencia a aparência ''animalesca" de Enkidu (cabelos longos, pelos emaranhados) além de mostrar aspectos de personalidade mais primitivos e ligados a natureza como a inocência e a falta de conhecimentos sobre cultivo da terra (o cultivo da terra foi justamente o que sedentarizou e iniciou a revolução do neolítico que civilizou o homem).



Em outro trecho, é feito um paralelo entre o comportamento dos animais da floresta e Enkidu, mostrando que ambos se comportavam da mesma maneira, pois ele comia e bebia o mesmo que os animais:

Enkidu comia grama nas colinas junto com as gazelas e rondava os poços de água com os animais da floresta; junto com os rebanhos de animais de caça, ele se alegrava com a água. 

A convivência entre o selvagem e o urbano é num primeiro momento tensa. Um caçador representante da vida urbana diz sobre Enkidu:

Ele é o homem mais forte do mundo, parece um dos imortais do céu. 

O medo fica mais claro nessa outra frase:

Tenho medo e não ouso dele me aproximar. 

O homem selvagem atrapalha o homem civilizado, como demonstra essa passagem:

Ele (Enkidu) tapa os buracos que cavo e destrói as armadilhas que preparo para a caça; ele ajuda as feras a escapar e agora elas escorregam por entre meus dedos. 

A convivência fica mais tensa quando o caçador decide "civilizar" Enkidu, através das "artes da mulher". Segundo Deus, isso faria os animais repudiarem Enkidu. O caçador com ajuda de uma rameira, segue então o plano, que de fato dá certo; as "artes da mulher" trazem para o homem selvagem o conhecimento e os "pensamentos do homem", como mostra essa parte do texto:

Enkidu queria segui-las (as gazelas), mas seu corpo parecia estar preso por uma corda, seus joelhos fraquejavam quando tentava correr, ele perdera sua rapidez e agilidade. E todas as criaturas da selva fugiram; Enkidu perdera sua força, pois agora tinha o conhecimento dentro de si, e os pensamentos do homem ocupavam seu coração. 

Esse novo conhecimento gera a transformação do homem primitivo no homem civilizado. Se transforma na corda metafórica que não deixa Enkidu seguir os animais. Essa transformação parece ruim num primeiro momento por causa do repudio dos animais, mas acaba sendo vista com bons olhos por Enkidu quando a rameira o sugere ir a cidade. Nas palavras da rameira:

És sábio, Enkidu, e agora te tornaste semelhante a um deus. Por que queres ficar correndo à solta nas colinas com as feras do mato? Vem comigo. Vem e te levarei à Uruk ...

Outra passagem dessa colisão de dois mundos é quando Enkidu bebe vinho e come pão pela primeira vez:

Eles depositaram pão à sua frente, mas Enkidu só estava habituado ao leite que sugava dos animais selvagens. Ele se atrapalhou com as mãos e pasmou, sem saber o que fazer com o pão e o vinho forte. A mulher então disse: Enkidu, come o pão, é o suporte da vida; bebe o vinho, é o costume da terra. Enkidu então comeu até ficar satisfeito e bebeu do vinho forte, sete cálices. Ele ficou alegre, seu coração exultou e seu rosto se cobriu de brilho. Enkidu escovou os pêlos emaranhados de seu corpo e untou-se com óleo. Ele se transformara num homem; 

O embate final entre o homem civilizado contra o homem selvagem é representado na luta entre Gilgamesh e Enkidu:

Os dois então se engalfinharam como touros. Destruíram a porta da casa, e suas paredes tremeram; bufavam como dois touros trancados juntos. 

No fim, essa luta foi vencida por Gilgamesh, representante da vida civilizada. Embora Gilgamesh represente a vida civilizada, ele também demonstra um fascínio pela vida selvagem, isso é evidenciado quando ele conta um sonho que teve a sua mãe:

Um meteoro, feito da mesma substância de Anu, caiu do céu. Tentei levantá-lo do chão, mas era pesado demais. Toda a gente de Uruk veio vê-lo; o povo se empurrava e se acotovelava ao seu redor, e os nobres se apinhavam para beijar-lhe os pés; ele exercia sobre mim uma atração semelhante à que exerce o amor de uma mulher. 

Sua mãe então conta que esse meteoro representa Enkidu:

Ele é um forte companheiro, alguém que ajuda o amigo nas horas de necessidade. Ele é o mais forte entre todas as criaturas selvagens; é feito da substância de Anu. Ele nasceu nos campos e foi criado nas colinas agrestes. Ficarás feliz ao encontrá-lo; vais amá-lo como a uma mulher, e ele jamais te abandonará. E isto o que significa teu sonho. 

Nessa afirmação mais uma vez Enkidu é comparado a vida no campo pois nasceu nos campos e foi criado nas colinas agrestes. Embora exista esse fascínio do homem civilizado em relação a natureza, não há volta para o mundo selvagem uma vez que se conhece a civilização.

Nenhum comentário:

Postar um comentário